quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A Importância Da Inoculação Com Rizóbio Na Cultura Do Feijoeiro

(11/2002) 

O feijoeiro se constitui numa importante cultura de subsistência e principal fonte de proteínas na dieta humana de populações pobres especialmente na América Latina e África. No Brasil, segundo maior produtor mundial, é cultivado em vastas áreas, embora com baixos níveis de produtividade média, uma vez que grande parte da produção está ligada a pequenas e médias propriedades, geralmente utilizando baixo nível tecnológico. A cultura do feijoeiro (Phaseolus vulgaris) no Brasil, apresenta importância destacada nos sistemas produtivos vinculados à agricultura familiar. Segundo dados do IBGE (Censo agropecuário/IBGE,1998), nos anos de 1995/96, 44,6% da produção brasileira de feijão foram obtidos em áreas entre 10 e 100 hectares. Vale ressaltar que, somada a produção do estrato de áreas menores que 10 ha, estas propriedades são responsáveis por 71% da produção nacional de feijão. A produtividade por estratos de áreas reflete a existência de dois sistemas produtivos, que diferem no investimento tecnológico e, consequentemente, em produtividade. Em 1995/96 os estratos de áreas com menos de 10 hectares e de 10 a menos de 100 ha registraram, respectivamente, produtividades médias de 457 e 593 kg/ha, enquanto que no estrato de 10.000 hectares ou mais, a produtividade média foi de 1.440 kg/ha. Nas grandes propriedades, o uso intensivo de insumos agrícolas e de tecnologias que exigem grande investimento financeiro, especialmente a irrigação, explicam as altas produtividades. Dentro deste contexto, destaca-se a necessidade do desenvolvimento de tecnologias de baixo custo capazes de melhorar os níveis de produtividade dos pequenos agricultores, responsáveis pela quase totalidade da produção desta leguminosa, essencial na dieta de grande parte da população brasileira.

A associação do feijoeiro com bactérias do grupo dos rizóbios, capazes de fixar o nitrogênio atmosférico e fornecê-lo à cultura, é uma tecnologia capaz de substituir, pelo menos parcialmente, a adubação nitrogenada resultando em benefícios ao pequeno produtor. Apesar do conceito geral de que o feijoeiro apresenta baixa capacidade fixadora, os resultados de pesquisa, obtidos em condições de campo, indicam que é possível que a planta se beneficie da inoculação com o rizóbio, atingindo níveis de produtividade entre 1500 e 2000 kg/ha. A suplementação com adubo nitrogenado na época do florescimento permite que este patamar supere os 3000 kg/ha, conforme dados registrados na região dos Cerrados, em cultivos irrigados.

Mas o que são os rizóbios? Os rizóbios são bactérias benéficas presentes no solo, as quais são atraídas para as raízes das plantas leguminosas, ou seja, aquelas que produzem vagens como o feijoeiro e a soja. Estas bactérias, uma vez em contato com as raízes do feijoeiro, por exemplo, induzem a formação de pequenas bolinhas, chamadas de nódulos. No interior dos nódulos ocorre o processo de aproveitamento nitrogênio do ar por estas bactérias. Este processo é chamado de fixação biológica de nitrogênio, e permite que o agricultor economize na adubação nitrogenada. O nitrogênio é um dos nutrientes essenciais para o desenvolvimento das plantas e, normalmente, é fornecido para as culturas através da adubação com uréia, sulfato de amônia, esterco ou outras formulações do tipo NPK. No entanto, o ar que respiramos contém quase 80% de nitrogênio, na forma de gás, e este pode ser aproveitado pelas plantas através do trabalho dos rizóbios, que absorvem este elemento do ar, transformando-o em aminoácidos ou outros compostos que podem ser utilizados na nutrição nitrogenada do vegetal.

Esta associação do rizóbio com as raízes das leguminosas é chamada de "simbiose", termo que define um tipo de relação benéfica entre os parceiros, neste caso a planta e a bactéria. O rizóbio utiliza os carboidratos provenientes da fotossíntese da planta hospedeira para gerar a energia necessária para promover o proceso de fixação biológica de nitrogênio. Por outro lado, a planta beneficia-se do nitrogênio fixado pela bactéria na síntese de suas proteínas.

O termo rizóbio está aqui sendo utilizado para, indistintamente, referir-se a um grupo bastante heterogêneo de bactérias que, atualmente, envolve 28 espécies distintas pertencentes a 6 gêneros, quais sejam: Rhizobium, Azorhizobium, Sinorhizobium, Alorhizobium, Mesorhizobium e Bradyrhizobium. Estas bactérias produzem nódulos nas mais diversas espécies de leguminosas, e, no caso do feijoeiro, várias espécies, e até o presente, três gêneros distintos foram descritos como capazes de infectar e nodular suas raízes. No entanto, nem todas as espécies são eficientes no processo de fixação biológica de nitrogênio, ou seja, o fato de a planta apresentar nódulos não significa que esteja sendo adequadamente suprida com o nitrogênio necessário ao seu desenvolvimento. Existem rizóbios no solo, mas estes, pelo menos no caso do feijoeiro, são geralmente muito pouco eficientes no processo de fixação biológica de nitrogênio, embora formem nódulos e muitas vezes atrapalhem a nodulação pelo rizóbio presente no inoculante.

O inoculante brasileiro, durante muito tempo, foi produzido utilizando-se o rizóbio das espécies Rhizobium leguminosarum bv. phaseoli e Rhizobium etli, sendo que algumas destas bactérias eram obtidas no exterior e testadas pelas instituições de pesquisa no Brasil. Com a evolução dos estudos taxonômicos, revelando os diferentes agrupamentos de isolados com características simbióticas e adaptação ecológica distinta, inclusive envolvendo isolados obtidos nas regiões de clima tropical, revelou-se a inequação das estirpes tradicionalmente recomendadas para as condições de cultivo brasileiras. Atualmente sabe-se, que as estirpes de R. leguminosarum bv. phaseoli e R. etli estão sujeitas a um elevado grau de instabilidade genética, ou seja, podem perder a capacidade de fixar nitrogênio no feijoeiro, o que pode explicar, pelo menos parcialmente, a decepção de muitos agricultores com o uso do inoculante nesta cultura até bem recentemente. Atualmente, como resultado destes estudos, o inoculante comercial para o feijoeiro no Brasil é produzido com uma espécie de rizóbio adaptada aos solos tropicais, o Rhizobium tropici, resistente a altas temperaturas, acidez do solo e altamente competitiva, ou seja, em condições de cultivo favoráveis é capaz de formar a maioria dos nódulos da planta, predominando sobre a população de rizóbio presente no solo.

Vários fatores interferem na eficiência simbiótica das estirpes de rizóbio em condições de campo. Alguns são intrínsecos da bactéria, outros são extrínsecos , envolvendo outros microrganismos do solo, fatores de clima e solo ou determinados pela planta hospedeira, no caso a cultivar de feijoeiro utilizada. Cultivares do grupo Carioca, a antiga cultivar Negro Argel e a cultivar Ouro Negro são relatadas como de excelente eficiência simbiótica.

O feijoeiro tem sido cultivado extensivamente em solos ácidos das regiões tropicais, embora seja considerada uma cultura sensível à condições ácidas, exigindo a correção do pH para garantir uma boa produtividade. Além do efeito da acidez em si, dependendo do tipo de solo, as deficiências nutricionais normalmente associadas às condições ácidas do solo, como deficiência de cálcio, magnésio, molibdênio e fósforo e a toxidez provocada pela elevação nos níveis de alumínio e manganês são fatores limitantes à cultura e consequentemente à simbiose. Deste modo, a correção da acidez do solo através da calagem é essencial para atingir boas produtividades nesta cultura, especialmente em condições simbióticas. Não se pode esquecer que o rizóbio depende das condições fisiológicas da planta hospedeira que fornece a energia necessária para que a bactéria possa realizar eficientemente o processo de fixação biológica de nitrogênio. Além da calagem é importante proceder a correção do solo com os demais nutrientes, conforme a recomendação do técnico da região, baseado na análise do solo. Um nutriente importante a ser fornecido é o fósforo, deficiente na maioria dos solos tropicais, que tem efeito marcante sobre a atividade da nitrogenase, devido ao alto dispêndio energético promovido pela atividade de fixação biológica de nitrogênio.

O molibdênio é um micronutriente que tem efeito marcante sobre a eficiência da simbiose, sendo um constituinte estrutural da enzima nitrogenase, que, dentro do nódulo, executa a atividade de fixação biológica do nitrogênio. A aplicação foliar de molibdênio promove aumentos de produtividade em feijoeiro inoculado, sendo que há vários produtos disponíveis no mercado para esta finalidade. Dentre os fatores ambientais mais importantes para o processo de fixação biológica de nitrogênio, a ocorrência de deficiências hídricas, ou seja, seca, durante o ciclo de cultivo tem efeito negativo em diferentes etapas do processo de nodulação e na atividade nodular, além de afetar a sobrevivência do rizóbio no solo.

Como fazer para aproveitar o trabalho do rizóbio e economizar o adubo?

O procedimento é muito simples, basta misturar as sementes com o inoculante de rizóbio para o feijão. Este inoculante é, geralmente, vendido em saquinhos contendo milhões destas bactérias benéficas. Para inocular um saco de 50kg de sementes, recomenda-se usar 500g de inoculante turfoso. Inicialmente adiciona-se sete colheres de sopa de açúcar em um litro de água. Mistura-se 200 a 300ml (um copo cheio do tipo dos de requeijão) desta solução açucarada ao inoculante (500g) até formar uma pasta homogênea. Em seguida mistura-se esta pasta a 50 kg de sementes de feijão até que as sementes fiquem totalmente recobertas com uma camada uniforme de inoculante. Para facilitar o trabalho de inoculação das sementes, pode-se usar um tambor rotativo de eixo descentralizado, que pode ser facilmente montado na propriedade. Deixar as sementes inoculadas secando à sombra, em local fresco e arejado, até que seja feita a semeadura. As sementes devem ser plantadas até no máximo dois dias depois, senão, deve-se proceder uma nova inoculação. Deve-se sempre verificar o prazo de validade do inoculante, que geralmente é de apenas seis meses, e nunca usar inoculante vencido.

O inoculante contém bactérias vivas, por isto deve ser guardado em lugar fresco, de preferência na parte de baixo da geladeira. É preciso cuidado no transporte e no armazenamento dos pacotes de inoculante, nunca deixando-os expostos ao sol, dento do carro, por exemplo. As sementes inoculadas também não podem ficar expostas ao sol, por isto deve-se fazer a inoculação das sementes nas horas mais frescas do dia, pela manhã ou à tardinha, e deixar secar à sombra. As sementes inoculadas devem ser plantadas o mais rapidamente possível, mantendo-as sempre protegidas do sol.

Caso seja inevitável o uso de agrotóxicos tais como pesticidas, fungicidas etc, deve-se tratar primeiro as sementes com o produto químico, deixar secar e só então proceder a inoculação. Alguns produtos são extremamente tóxicos ao rizóbio, especialmente fungicidas., Sendo assim, é preciso verificar a compatibilidade do produto com o inoculante antes da sua utilização. Se for necessária a adubação com micronutrientes, estes devem ser adicionados aos agrotóxicos para o tratamento das sementes antes da inoculação.

Como os agrotóxicos afetam a sobrevivência do rizóbio, deve-se procurar escolher produtos com menor toxidez e manter o inoculante em contato com estes produtos o menor tempo possível. Segundo informações da pesquisa, especialmente da Embrapa Cerrados e Embrapa Soja, de maneira geral, fungicidas a base de metais pesados, como mercúrio, zinco, cobre e chumbo, a maioria dos inseticidas organoclorados e alguns organofosforados prejudicam a nodulação. Os herbicidas e os defensivos contra nematóides são menos tóxicos. O carbofuran e o captan são bastante tóxicos e o methyl-1-butylcatbamoil-2-benzimidazolecarbamato (ex. Benlate) apresenta-se um pouco tóxico ao rizóbio do feijoeiro.

Quando se usa o inoculante, não deve ser aplicado o adubo nitrogenado (uréia ou sulfato de amônia) no plantio. No entanto, as demais correções do solo devem ser feitas, conforme recomendado acima, segundo as instruções do técnico da região, especialmente a calagem e a adubação com fósforo.

Verificando os benefícios da inoculação na lavoura.

Após 3 semanas da semeadura, o produtor deve andar pela lavoura e, com o auxílio de uma pá ou enxadão, arrancar com cuidado algumas plantas com as raízes para verificar se nelas existem nódulos. Para saber se o rizóbio está trabalhando bem, observar se houve a formação de pelo menos 10 a 20 nódulos em cada planta arrancada. Ao observar o interior dos nódulos procurar verificar a coloração dos mesmos. A cor vermelha indica que o nódulo está ativo, ou seja, fazendo o seu trabalho com eficiência. A presença de nódulos com o interior branco indica que o processo de fixação biológica de nitrogênio não está ocorrendo.

Deve-ser tomar cuidado, pois os nódulos são pequenos e se soltam facilmente das raízes. Não se deve confundir com os pequenos tumores (inchamentos) causados pela praga nematóide, chamados de "galhas", os quais não podem ser facilmente arrancados. Deve-se ainda observar se a cor das folhas está começando a ficar com uma tonalidade verde mais forte por volta dos 20 aos 25 dias depois da semeadura. Este é mais um sinal de que o trabalho do rizóbio, ou seja, o processo de fixação biológica de nitrogênio está ocorrendo e beneficiando a lavoura.

Como garantir a produtividade e evitar correr riscos caso a fixação não funcione bem?

No caso de não serem observadas as modificações nas raízes (formação dos nódulos em boa quantidade) e nas folhas (cor verde mais forte, mais intensa), ou de ser observada a presença de muitos nódulos apresentando o interior de cor branca, torna-se necessária a adubação de cobertura com adubo nitrogenado. A adubação nitrogenada de cobertura também pode ser feita para garantir maiores níveis de produtividade, mesmo que os nódulos apresentem-se ativos (vermelhos). Para estes casos, uma adubação em cobertura com 30 a 40 kg de Nitrogênio/ha aos 20-25 dias após plantio é suficiente. Mas é preciso lembrar que um processo de inoculação eficiente pode garantir, sozinho, níveis de produtividade entre 1.500 e 2000 Kg/ha, quando algum outro fator não prejudicar a cultura. Sob irrigação, os níveis de produtividade podem alcançar até 3.000 kg/ha.

ROSÂNGELA STRALIOTTO
Engenheira Agrônoma
Doutora em Ciência do Solo
Pesquisadora III, Embrapa Agrobiologia
Seropédica, RJ.

Nenhum comentário: