quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Pastagens produtivas: lucro para o produtor e para o meio ambiente

O Brasil possui mais de 200 milhões de hectares ocupados por pastagens, sendo a grande maioria constituída de pastagens naturais de muito baixa qualidade forrageira. Deste total, somente a região dos Cerrados conta com mais de 40 milhões de hectares cultivados com braquiária. Parte dessa grande área sob pastagens foi formada com a retirada da vegetação nativa, que aí se encontrava há centenas de anos, fazendo parte de uma ambiente equilibrado, podendo-se destacar a própria vegetação, o ar e o solo como importantes componentes do sistema. Estes 3 elementos da natureza têm em sua constituição o carbono. Na vegetação, o carbono se encontra constituindo os tecidos das plantas; no ar, o carbono se encontra na forma do gás carbônico (CO2); e no solo, o carbono é o principal componente da matéria orgânica. Neste sistema em equilíbrio, o gás carbônico alimenta as plantas, e a vegetação se renova periodicamente. As partes "velhas", ou senescidas, das plantas chega ao solo e é transformada em matéria orgânica, com a ajuda das minúsculas formas de vida (microrganismos) que existem no solo. Por sua vez, esses microrganismos, também usam a matéria orgânica como alimento e, pela respiração, produzem gás carbônico que retorna para o ar. Como mencionado anteriormente, no sistema em equilíbrio, o carbono somente muda de forma, mas não aumenta sua quantidade nem nas plantas, nem no ar, nem no solo. 

No entanto, no século passado, o homem precisou das terras ocupadas pelas florestas e campos nativos para produzir alimentos. Assim, a retirada da vegetação nativa para o estabelecimento das pastagens, e áreas de produção de grãos e fibras, acabou com o equilíbrio que existia. O carbono que estava na madeira, folhas e outras partes das plantas foi para o ar, devido às queimadas, usadas na "limpeza" das terras. Nesta condição, reduziu-se muito a fonte de "alimento" para o solo (folhas velhas, galhos, raízes etc), e assim, a quantidade de matéria orgânica foi diminuindo com o tempo, e o gás carbônico produzido pela respiração dos organismos do solo também foi para o ar. E então, pergunta-se: Qual a implicação desse processo? O gás carbônico no ar, retém parte da energia do sol que é importante para que a temperatura do planeta seja adequada para que a maioria dos seres vivos possa existir. Porém, o aumento desse gás no ar, faz a temperatura aumentar e mudar o clima do planeta, o que pode comprometer seriamente a existência da vida. É o chamado "efeito estufa".

Sem dúvida, o problema é grave, e a solução depende de algumas medidas que precisam ser tomadas, com urgência, em todos os segmentos da sociedade. No que compete a atividade agropecuária, alguns "ajustes" são fundamentais para ajudar a reverter o processo, e ao contrário do que se possa imaginar, é possível ajudar o meio-ambiente e tirar lucro disso.

Nos últimos anos, muitas pesquisas voltaram-se para entender o papel da produção agrícola e das pastagens sobre a dinâmica do carbono no solo. Pelo conhecimento adquirido, as pastagens apresentam o maior potencial para retirar o gás carbônico da atmosfera e enriquecer o solo com matéria orgânica, enriquecimento este que pode se aproximar dos níveis observados no solo sob a vegetação nativa. Este processo de retorno do carbono do ar para o solo, através das plantas, chama-se "seqüestro de carbono". Estudos feitos no Sul da Bahia pelas equipes da Embrapa Agrobiologia e da ESSUL/CEPLAC, mostraram que após 10 anos da derrubada da mata nativa e da instalação das pastagens cultivadas de Brachiaria, o estoque de matéria orgânica no solo foi reposto pela forrageira e tendeu a aumentar, através da decomposição de seus resíduos aéreos e raízes. Este mesmo cenário foi observado por outras equipes de pesquisa em áreas de pastagens da região amazônica. Nas áreas de savanas da Colômbia, que se assemelham ao Cerrado, a pesquisa também mostrou que pastagens de braquiária podem acumular grande quantidade de carbono no solo, algumas vezes ultrapassando o observado nas áreas de vegetação nativa. No entanto, esta situação não pode ser generalizada para todas as pastagens do País.

Estimativas recentes, indicam que mais de 50% das áreas sob pastagens se encontram em processo de degradação. Um dos principais sinais de degradação da pastagem é a perda de vigor, ou em outras palavras, a pastagem passa a sustentar cada vez menos animais com o passar do tempo. Se a forrageira não cresce mais com a mesma intensidade, a produção de resíduos (folhas e raízes velhas), que alimentam as formas de vida do solo, diminui. Assim, a matéria orgânica do solo vai diminuindo, e o carbono, retornando para o ar na forma de gás carbônico. É importante que se entenda que o efeito desse processo no meio-ambiente é notado somente a longo prazo, porém, não se pode dizer o mesmo quanto a perda econômica do produtor.

A matéria orgânica do solo não somente é uma reserva de carbono, mas também, é a principal responsável pelos níveis de fertilidade da maioria das terras brasileiras. A matéria orgânica dá estrutura ao solo, aumenta a capacidade de acumulação de água, e fornece nutrientes para as plantas, além de evitar que os nutrientes adicionados através dos fertilizantes sejam facilmente perdidos. Como foi dito anteriormente, a matéria orgânica do solo é formada pelo carbono, que chega ao solo através dos resíduos das plantas. Na realidade, a matéria orgânica é o resultado da modificação dos resíduos das plantas, por intermédio dos organismos vivos do solo, e do próprio corpo desses organismos, que morrem e servem de alimento para os outros. Assim, os nutrientes presentes nos resíduos das plantas também fazem parte da matéria orgânica do solo.

Recentemente, pesquisas feitas pelo grupo de ciclagem de nutrientes em agro-ecossistemas (Segundo Urquiaga, Bruno Alves e Bob Boddey), da Embrapa Agrobiologia, em parceria com a Embrapa Trigo e a Embrapa Soja, mostraram que o nitrogênio é um dos nutrientes mais importantes na formação da matéria orgânica do solo. Observou-se que em diversos sistemas de produção de grãos, sob plantio direto, maiores quantidades de matéria orgânica eram acumuladas no solo quando existia uma leguminosa para adubação verde na rotação de culturas, que teria o papel de enriquecer o sistema com N. A presença das leguminosas significa uma fertilização extra de nitrogênio para o solo, pois estas espécies se associam com bactérias que permitem as plantas crescerem com nitrogênio do ar. Nas pesquisas em áreas de pastagens na Bahia, a equipe da Embrapa Agrobiologia, ressaltou a importância das pastagens consorciadas com leguminosas forrageiras na acumulação de matéria orgânica do solo. Não se quer dizer com isso que a matéria orgânica do solo somente se acumula com a introdução de leguminosas. O mais importante é que a pastagem seja produtiva, pois nessa condição, o solo acaba sendo abastecido com grandes quantidades de resíduos, e o nitrogênio certamente existirá em quantidades suficientes para aumentar a matéria orgânica do solo, caso contrário o pasto não seria produtivo. "Uma situação puxa a outra!" Exemplo disso, são os resultados obtidos com a pesquisa em áreas de pastagens de braquiária do Triângulo Mineiro. Estamos encontrando praticamente 40% de matéria orgânica do solo a mais, em áreas de pastagens produtivas, que suportam cerca de 3 a 4 animais de 250 kg em cada hectare, quando as comparamos com pastagens próximas, em estado de degradação, que mal sustentam 1 animal por hectare.

A grande capacidade que as pastagens têm de aumentar a quantidade de matéria orgânica no solo vem sendo explorada nos sistemas integrados lavoura-pecuária. Nesses sistemas, a fertilização residual deixada pelas lavouras, mantém a pastagem sempre muito produtiva, e, com isso, a resposta na elevação dos níveis de matéria orgânica no solo é surpreendente.

Pelo exposto, é evidente que o investimento para elevar e/ou manter a produção da pastagem, feito pelo produtor, se traduz imediatamente em lucros pela maior produção de carne e leite. Paralelamente, o dano causado ao meio ambiente pela utilização da terra para produção de alimentos é amenizado. Existe ainda, uma forte possibilidade de que os sistemas de produção agrícolas passem a compor os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, acordado em reuniões internacionais sobre as mudanças do clima. Isso pode significar uma nova fonte de renda para os produtores, uma vez que os países do primeiro mundo, que não conseguem reduzir a poluição por eles geradas, deverão pagar para que países como o Brasil acumulem carbono, ou matéria orgânica, no solo. É a chamada moeda verde!

É importante deixar claro que não se quer mostrar que a introdução da pastagem compensa a retirada da floresta. "De jeito nenhum!" Todo o carbono originado da extração da madeira e queima do resto da floresta somente seria compensado a longo prazo, com o retorno da própria floresta. Ainda mais, se forem contabilizados os danos à fauna, flora e ao próprio equilíbrio da natureza que foi quebrado. Além disso, seria absurdo pensar em aumentar a produção pecuária do País com a abertura de novas áreas, se a maioria das áreas atualmente ocupadas poderiam, pelo menos, dobrar sua produtividade com a aplicação de um manejo mais adequado.

A ocupação do planeta pelo homem traz um ônus muito grande para o meio-ambiente, do qual depende para a própria sobrevivência, e não há dúvidas que as conseqüências já são sentidas e deverão se agravar no futuro. Fica para o homem, o desafio de superar o problema e garantir para seus descendentes o mesmo direito de acreditar que o mundo será eterno.

BRUNO JOSÉ RODRIGUES ALVES
Ph.D. Matéria orgânica do solo
Pesquisador III, Embrapa Agrobiologia
Seropédica, RJ.

ROBERT MICHAEL BODDEY
Ph.D. Quantificação da fixação biológica de nitrogênio, Técnicas de isótopos estáveis, ciclagem de nutrientes e emissões de gases de efeito estufa em agro-ecossistemas
Pesquisador III, Embrapa Agrobiologia
Seropédica, RJ.

SEGUNDO SACRAMENTO URQUIAGA CABALLERO
Ph.D. Química do solo, metodologia de isótopo, fixação de N2 associada a gramíneas
Pesquisador III, Embrapa Agrobiologia
Seropédica, RJ.

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